Quem já visitou São Paulo e passou pela avenida São João (ou Minhocão), sentido Lapa, não pode deixar de reparar em uma construção. Seja pelo estado de abandono ou pelas características da obra, um castelo abandonado em plena cidade de São Paulo.
Foto acima na época dos fatos. Foto abaixo nos últimos anos antes da reforma.
O que pouca gente sabe é que ali, o Castelinho da Rua Apa foi palco de um suposto crime familiar que abalou a cidade na década de 1930, uma vez que eram três mortos membros abastados e tradicionais de uma família da aristocracia paulistana. O imóvel foi construído em 1912 como uma réplica de um castelo medieval francês, com seus vitrais pintados por renomados artistas da época e tapetes indianos. Era a casa da família César Reis, dona de um famoso cinema, o Broadway, na avenida São João, que hoje não existe mais; e de terrenos e casas no nobre bairro do Pacaembu.
(Legenda: Todos os membros da família aparecem reunidos em uma foto tirada em uma praia do litoral paulista. Junto de amigos, está a mãe, Maria Cândida dos Reis (a primeira à esquerda), o pai Virgílio César Reis (ao volante do automóvel), Armando (sem camisa, sentado no estribo do carro) e, ao lado dele, Álvaro (com trajes de banho e encostado no paralama).)
Álvaro César Reis, 45 anos, era advogado, esportista e vivia cercado sempre de belas mulheres. Armando César Reis, 43 anos, também era advogado mas tinha um perfil mais discreto, sem muita badalação. Maria Cândida Guimarães Reis, 73 anos, era dedicada à prática religiosa, enviuvara há dois meses do médico Virgílio César dos Reis.
Após uma viagem feita à Europa, Álvaro estava empolgado com alguns novos e arriscados projetos. Álvaro era muito conhecido no meio esportivo pela habilidade na patinação sobre rodas e recebeu o título de campeão da França em provas de velocidade, chegando a ser recordista mundial em patins, conforme relata Leda de Castro Kiehl, no livro O Crime do Castelinho: Mitos e Verdades.
No dia 12 de maio de 1937, Álvaro César Guimarães Reis chegou em casa e iniciou uma discussão com seu irmão, Armando, em razão de investimentos a serem feitos pela família. Álvaro queria instalar uma pista de patinação no lugar do cinema Broadway, todavia Armando, que cuidava das finanças da família recusava a ideia, uma vez que tratava-se de um investimento muito alto e sem garantia de um retorno, diferente do cinema que sempre era bem frequentado.
Álvaro já andava nervoso e brigando com seu irmão e sua mãe por causa disso, sendo que um dos delegados do caso na época, Dr. Durval de Villalva ficou sabendo, inclusive que Armando pensava em submeter o irmão Álvaro a um exame psiquiátrico para ver se ele possuía algum distúrbio mental.
Nesta noite, os dois irmãos iniciaram uma ríspida discussão e estavam apontando revólveres um para o outro quando a mãe, Maria Cândida dos Reis teria surgido para apartar a discussão. Foi aí que a troca de tiros se iniciou. Álvaro teria alvejado a mãe na troca dos tiros e posteriormente teria atirado em seu irmão Armando. Com os dois já em óbito, teria este atentado contra a própria vida, cometendo suicídio.
O primeiro a chegar no local teria sido Elza Lengfelder, cozinheira da rica família e que morava em uma casa anexa à residência. Esta teria saído às ruas para chamar um policial, que encontrou os corpos perto da escadaria e na entrada do escritório, acionando a polícia central às 21 horas. O delegado de plantão, Dr. Juvenal de Toledo Ramos, chegou no local e confirmou as mortes, chamando os peritos da polícia técnica e o médico legista, Dr. Souza Aranha para realizar os levantamentos técnicos.
A partir deste momento que iniciam as diversas contradições acerca desse crime que continua um mistério até hoje.
À época, a rápida apuração das autoridades policiais teria levantado suspeitas sobre se os irmãos teriam realmente um matado o outro ou se o assassinato havia sido encomendado. O posicionamento dos corpos de Armando e Álvaro teria sido um dos principais combustíveis para que muitos achassem que os irmãos e a mãe teriam sido, na verdade, vítimas de um triplo homicídio.
A Polícia Técnica e os legistas do Serviço Médico-Legal de São Paulo apresentaram laudos contraditórios sobre a autoria dos crimes. A Polícia Técnica apontou Álvaro como o autor dos crimes. Segundo os peritos, Álvaro teria assassinado a mãe e o irmão Armando e depois se suicidado com dois tiros no coração. Os médicos-legistas disseram o contrário: o autor seria Armando. Ele é que teria assassinado a mãe, o irmão e depois se matado. Para comprovar, afirmaram ter encontrado resíduo de pólvora na mão dele, indicando que Armando manuseou a arma. A polícia encampou a interpretação dos peritos. Dois dias depois do encontro dos corpos, os policiais afirmaram que o caso estava esclarecido e que Álvaro Reis era o autor dos crimes.
Perto dos corpos, dispostos paralelamente, inclusive com Armando de olhos abertos, foi encontrada uma pistola alemã Mauser, calibre 9mm, registrada em nome de Álvaro, o que só veio a reforçar a hipótese da polícia.
A polícia afirmou a princípio que "Dona Candinha" fora assassinada com três tiros. Mais tarde, ficou confirmado que ela morreu em consequência de quatro tiros, um dos quais pelas costas. Dois projéteis retirados do corpo dela eram de um calibre diferente ao da pistola automática Parabellum. A segunda arma nunca foi encontrada. O fato poderia indicar que poderia ter havido uma quarta pessoa na cena do crime: o verdadeiro assassino que, também, nunca foi identificado.
Outro detalhe que causou bastante contradição acerca das conclusões da polícia foi a posição dos corpos, uma vez que os irmãos estavam lado a lado, além de Álvaro ter sido morto com dois tiros, fato bastante incomum em casos de suicídio.
As investigações posteriores ainda descobriram promissórias assinadas por Álvaro que o deixariam em situação financeira bastante delicada. Descobriu-se que tais promissórias haviam sido adulteradas pelos credores, que lhes teriam acrescentado um zero para aumentar-lhes o valor, mas misteriosamente os “sócios” de Álvaro jamais foram identificados. Mesmo assim, um ano após a polícia deu por concluído o caso, apontando Álvaro definitivamente como o autor dos disparos.
Mesmo diante das grandes divergências quanto às conclusões apresentadas, ainda quando se deu o arquivamento do caso, de forma que o que realmente aconteceu naquela noite no Castelinho da Rua Apa permanece como sendo um mistério até hoje.
Após anos de polêmica, a justiça entendeu que os falecidos não deixaram herdeiros diretos, sendo que uma nova lei federal sobre heranças promulgada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, iria impedir que parentes de segundo ou terceiro grau herdassem o castelinho. Assim, o castelinho foi repassados ao governo federal. Anos mais tarde esta lei seria revogada, mas parentes de Dona Maria Cândida e dos irmãos Armando e Álvaro jamais iriam conseguir retomar o imóvel que ficaria nas mãos do INSS. Com este impasse o imóvel sempre foi impedido de ser recuperado.
Atualmente, embora ainda pertença ao INSS, o Castelinho está sendo administrado pelo Clube das Mães do Brasil que ocupa um imóvel anexo ao lado, tendo sido iniciado em 2015 um processo de restauro do imóvel, sendo reaberto na data de hoje, dia 07/04/2017.
Diego Augusto Bayer é Advogado criminalista, Doutorando em Direito Penal, Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia da Católica de Santa Catarina e autor de obras jurídicas.
Cidânia Aparecida Locatelli é Advogada, Pós Graduada em Direito Empresarial pela UNOESC, Pós Graduada em Direito Trabalhista pela UNINTER, Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, autora de artigos jurídicos em revistas especializadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Disponível em: http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/9163/O%2BCrime%2Bdo%2BCastelinho%2Bda%2BRua%2BApa. Acesso em 26 abr. 2016
Disponível em: http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-234289,00.html. Acesso em 26 abr. 2016
Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/dino/noticias/livro-lanca-novo-olhar-paraocrime-do-castelinho-d.... Acesso em 26 abr. 2016
Disponível em: http://bastidoresdainformacao.com.br/a-mais-verdadeiraecompleta-historia-do-castelinho-da-rua-apa/. Acesso em 26 abr. 2016
Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,o-castelinho-da-rua-apa,11572,0.htm. Acesso em 26 abr. 2016
Disponível em: http://www.saopauloantiga.com.br/castelinho-da-rua-apa/. Acesso em 26 abr. 2016
Autor - Diego Augusto Bayer
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